Adriana Setti
No ano passado, meus pais (profissionais ultra-bem-sucedidos que decidiram reduzir o ritmo em tempo de aproveitar a vida com alegria e saúde) tomaram uma decisão surpreendente para um casal – muito enxuto, diga-se – de mais de 60 anos: alugaram o apartamento em um bairro nobre de São Paulo a um parente, enfiaram algumas peças de roupa na mala e embarcaram para Barcelona, onde meu irmão e eu moramos, para uma espécie de ano sabático.
No ano passado, meus pais (profissionais ultra-bem-sucedidos que decidiram reduzir o ritmo em tempo de aproveitar a vida com alegria e saúde) tomaram uma decisão surpreendente para um casal – muito enxuto, diga-se – de mais de 60 anos: alugaram o apartamento em um bairro nobre de São Paulo a um parente, enfiaram algumas peças de roupa na mala e embarcaram para Barcelona, onde meu irmão e eu moramos, para uma espécie de ano sabático.
Aqui  na capital catalã, os dois alugaram um apartamento agradabilíssimo no  bairro modernista do Eixample (mas com um terço do tamanho e um vigésimo  do conforto do de São Paulo), com direito a limpeza de apenas algumas  horas, uma vez por semana. Como nunca cozinharam para si mesmos, saíam  todos os dias para almoçar e/ou jantar. Com tempo de sobra, devoraram o  calendário cultural da cidade: shows, peças de teatro, cinema e ópera  quase diariamente. Também viajaram um pouco pela Espanha e a Europa. E  tudo isso, muitas vezes, na companhia de filhos, genro, nora e amigos, a  quem proporcionaram incontáveis jantares regados a vinhos.
Com  o passar de alguns meses, meus pais fizeram uma constatação que beirava  o inacreditável: estavam gastando muito menos mensalmente para viver  aqui do que gastavam no Brasil. Sendo que em São Paulo saíam para comer  fora ou para algum programa cultural só de vez em quando (por causa do  trânsito, dos problemas de segurança, etc), moravam em apartamento  próprio e quase nunca viajavam.
Milagre?  Não. O que acontece é que, ao contrário do que fazem a maioria dos  pais, eles resolveram experimentar o modelo de vida dos filhos em  benefício próprio. “Quero uma vida mais simples como a sua”, me disse um  dia a minha mãe. Isso, nesse caso, significou deixar de lado o  altíssimo padrão de vida de classe média alta paulistana para adotar,  como “estagiários”, o padrão de vida – mais austero e justo – da classe  média europeia, da qual eu e meu irmão fazemos parte hoje em dia (eu há  dez anos e ele, quatro). O dinheiro que “sobrou” aplicaram em coisas  prazerosas e gratificantes.
Do  outro lado do Atlântico, a coisa é bem diferente. A classe média  europeia não está acostumada com a moleza. Toda pessoa normal que se  preze esfria a barriga no tanque e a esquenta no fogão, caminha até a  padaria para comprar o seu próprio pão e enche o tanque de gasolina com  as próprias mãos. É o preço que se paga por conviver com algo totalmente  desconhecido no nosso país: a ausência do absurdo abismo social e,  portanto, da mão de obra barata e disponível para qualquer necessidade  do dia a dia.
Traduzindo  essa teoria na experiência vivida por meus pais, eles reaprenderam (uma  vez que nenhum deles vem de família rica, muito pelo contrário) a dar  uma limpada na casa nos intervalos do dia da faxina, a usar o transporte  público e as próprias pernas, a lavar a própria roupa, a não ter carro  (e manobrista, e garagem, e seguro), enfim, a levar uma vida mais  “sustentável”. Não doeu nada.
Uma  vez de volta ao Brasil, eles simplificaram a estrutura que os cercava,  cortaram uma lista enorme de itens supérfluos, reduziram assim os custos  fixos e, mais leves,  tornaram-se mais portáteis (este ano, por  exemplo, passaram mais três meses por aqui, num apê ainda mais simples).
Por  que estou contando isso a vocês? Porque o resultado desse experimento  quase científico feito pelos pais é a prova concreta de uma teoria que  defendo em muitas conversas com amigos brasileiros: o nababesco padrão  de vida almejado por parte da classe média alta brasileira (que um  europeu relutaria em adotar até por uma questão de princípios) acaba  gerando stress, amarras e muita complicação como efeitos colaterais. E  isso sem falar na questão moral e social da coisa.
Babás,  empregadas, carro extra em São Paulo para o dia do rodízio (essa é de  lascar!), casa na praia, móveis caríssimos e roupas de marca podem ser o  sonho de qualquer um, claro (não é o meu, mas quem sou eu para  discutir?). Só que, mesmo em quem se delicia com essas coisas, a  obrigação auto-imposta de manter tudo isso – e administrar essa  estrutura que acaba se tornando cada vez maior e complexa – acaba  fazendo com que o conforto se transforme em escravidão sem que a  “vítima” se dê conta disso. E tem muita gente que aceita qualquer  contingência num emprego malfadado, apenas para não perder as mordomias  da vida.
Alguns  amigos paulistanos não se conformam com a quantidade de viagens que  faço por ano (no último ano foram quatro meses – graças também, é claro,  à minha vida de freelancer). “Você está milionária?”, me perguntam  eles, que têm sofás (em L, óbvio) comprados na Alameda Gabriel Monteiro  da Silva, TV LED último modelo e o carro do ano (enquanto mal têm tempo  de usufruir tudo isso, de tanto que ralam para manter o padrão).
É  muito mais simples do que parece. Limpo o meu próprio banheiro, não  estou nem aí para roupas de marca e tenho algumas manchas no meu sofá  baratex. Antes isso do que a escravidão de um padrão de vida que não  traz felicidade. Ou, pelo menos, não a minha. Essa foi a maior lição que  aprendi com os europeus — que viajam mais do que ninguém, são mestres  na arte do savoir vivre e sabem muito bem como pilotar um fogão e uma vassoura.
PS:  Não estou pregando a morte das empregadas domésticas – que precisam do  emprego no Brasil –, a queima dos sofás em L e nem achando que o “modelo  frugal europeu” funciona para todo mundo como receita de felicidade.  Antes que alguém me acuse de tomar o comportamento de uma parcela da  classe média alta paulistana como uma generalização sobre a sociedade  brasileira, digo logo que, sim, esse texto se aplica ao pé da letra para  um público bem específico. Também entendo perfeitamente que a vida não é  tão “boa” para todos no Brasil, e que o “problema” que levanto aqui  pode até soar ridículo para alguns – por ser menor. Minha intenção, com  esse texto, é apenas tentar mostrar que a vida sempre pode ser menos  complicada e mais racional do que imaginam as elites mal-acostumadas no  Brasil.
 
![Adri Setti[2]](http://cdn.edgonline.s3.amazonaws.com/mulher7por7/files/2010/10/Adri-Setti2-300x200.jpg)
 
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